À flor da pele


22 de março de 2020


O corpo masculino vira uma espécie de objeto de fetiche sem identidade. É apenas desejo. Uma representação fresca, natural e complexa ao mesmo tempo dos códigos que acompanham o nu e o sexo. 


︎



Texto Luigi Torre
Fotografia Florian Hetz


















“É o jeito como eu vivo”, diz ele. “Como faço sexo, como amo, como trabalho. São contrastes, diferentes tipos de corpo, idade, pele”. Assim é também seu trabalho: fotografias do corpo e sexualidade masculina. São imagens com recortes e closes precisos que anulam qualquer pessoalidade ou identidade do físico retratado. É a objetificação elevada à máxima potência e, ao mesmo tempo, a uma super intimidade. Uma resposta e subproduto da produção imagética na era da superexposição e autopromoção virtual. É baseado em impulsos muito pessoais, tanto quanto em uma reação à tudo que há em volta.

Florian começou a fotografar por acaso. A atual profissão nunca foi exatamente um sonho. Quando jovem, começou a sair com amigas drag queens e uma delas tinha uma pequena câmera. “Me apropriei dela e comecei a registrar nossos rolês, nossas festas e momentos pessoais meus, como antes ou depois do sexo”, relembra. Era o começo dos Tumblrs, mas o de Florian era basicamente feito de repostagens. Até que postou uma foto de sua autoria no seu perfil e tudo mudou. A repercussão foi absurda e, aos poucos, as imagens que se vê em digitalaidsss.tumblr.com são todas assinadas por ele.









Desde sempre a nudez masculina foi seu objeto de estudo, por gosto e questões pessoais. “Eu cresci rodeado vendo imagens de mulheres nuas. Eram seios, vaginas e bundas por toda a parte. Não havia muito acesso para o lado masculino da coisa”, conta. Eram tempos pré-internet e Florian nunca aceitou muito bem esse disparate de gênero em relação à pornografia e ao sexo. “Até hoje o sexo ainda choca muita gente. Nossa sociedade tem uma relação bizarra com sexualidade. Todo mundo fala sobre isso, paga de liberal, mas existe um grande tabu sobre o assunto. É só ver as censuras que rolam no Instagram, por exemplo. Você tem empresas se mostrando super liberais, mas ao mesmo tempo dizendo para toda uma geração que nudez e sexo são coisas erradas ou negativas. E não são, são naturais.”

É por aí que seu trabalho ganha relevância. Imagens de corpos masculinos nus existem aos montes na internet. Poucas, porém, comunicam o contraste de maneira tão expressiva e simbólica. Num primeiro momento, as fotos de Florian falam de ausência e abstração. Seu primeiro livro, aliás, se chama “The Matter Of Absence”. Num momento em que o ‘eu’ se torna essencial e superexposto nas redes sociais, ele anula por completo qualquer resquício de pessoalidade em suas imagens. O faz reduzindo cena e corpo a pequenos detalhes. São texturas, cores e formas despidos de identidade. São objetos. São fetiches. São atos físicos congelados na intimidade. É sexo. Por outro lado, seus recortes sugerem uma intimidade incompatível com o nível de objetificação sugerido pela impessoalidade do ato. Seus registros, por vezes violentos e agressivos, carregam uma carga de cumplicidade dificilmente adquirida com 100% de distanciamento físico e emocional.



             



A obra de Florian não vale só pelo sexo. Não vale só pela nudez. Vale pela neutralização e naturalização do desejo e ao que ele nos leva. Ao mostrar que opostos coexistem numa mesma imagem — e numa mesma mente e corpo — o fotógrafo e artista mostra que o ato sexual é livre, natural e comum a todos. Quando um corpo nu vira combustível para polêmicas e discursos repressivos, o desejo sexual cai na obscuridade. O sexo vira a mais repudiável das práticas, ainda mais quando fora dos padrões hetero-cristão-normativos. E não estamos falando apenas de Brasil. Estamos falando de mundo. Liberar nossos desejos e nossos corpos talvez seja a chave para entender e aceitar as multiplicidades humanas.


















































Conheça mais sobre o trabalho de Florian Hertz aqui