CASA ROSA
10 de junho de 2020
O jovem estilista Rodrigo Evangelista fala sobre as influências presentes em suas criações, relações entre seu trabalho e a música e percepções sobre o mercado da moda no futuro.
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Texto Thatiana Mazza
Entrevista Guilherme Teixeira
Fotografia Cassia Tabatini
Vídeo iosolini
Styling Dudu Bertholini
Beleza May Aleixo
Retouch VWretouch
Em seu apartamento e também ateliê localizado no décimo segundo andar de um prédio em uma esquina da icônica Rua Augusta em São Paulo, Rodrigo Evangelista me recebe com um sorriso imenso no rosto e algumas “cervejinhas” - como o estilista chama as gim & tônicas em latas que se popularizaram no carnaval deste ano. Logo começamos o papo que rapidamente evolui para diversas reflexões acerca de questões inerentes ao processo criativo de jovens estilistas no Brasil de hoje. Percebo só então que havia esquecido completamente de ligar o gravador, já com algumas cervejinhas rolando entre nós.
Mas primeiro, uma apresentação: Rodrigo Evangelista tem apenas 25 anos e já é um dos nomes de destaque que estão em ascensão na moda hoje. Nascido na Paraíba, se mudou para São Paulo há pouco mais de três anos na busca da consolidação da sua carreira como estilista. Sua jornada criativa começou em uma faculdade de arquitetura, curso o qual desistiu porque não conseguia expressar toda sua criatividade. Ele engendrou-se então pelos cursos de modelagem e estilismo na sua cidade natal, Campina Grande, sempre ouvindo de seus professores o conselho de que seu potencial criativo tinha asas para voar em novos locais mais distantes. Com isso, ele decidiu partir em direção à cidade de São Paulo, onde em pouco tempo suas criações começaram a chamar a atenção de diversas personalidades do mercado de moda e publicações relevantes. A partir daí, suas roupas tomaram uma cena de jovens cantoras de assalto. Suas criações trouxeram aos palcos construções repletas de volume, textura e narrativas preciosas.
Evangelista diz que acredita na importância de sempre tentar trazer algum discurso por trás da temática trabalhada na coleção. O estilista já trouxe discussões em sua maioria no âmbito sócio-políticas, como questões inerentes a saúde pública, liberdade sexual e intolerância.
Papo vem, papo vai, começamos a falar de suas inspirações, referências e processo criativo. Falamos sobre os livros de Lachapelle encontrados em sua estante. "Gosto de exagero. Minhas principais referências vêm de videoclipes. Desde muito cedo aprendi a consumir música de todas as formas possíveis. Amava ver os encartes dos CDs, a arte dos discos, Então o visual associado a música sempre foi muito importante para mim”, conta.
Rodrigo diz que é apaixonado por música desde criança. Seu primeiro CD, da Thalia, foi comprado aos 6 anos de idade. O som sempre despertou sua imaginação para transpor ideias até o campo visual. Ele explica que “foi a partir da música e por assistir aos red carpets de premiações que descobri minha paixão pela moda”. Tanto é que antes de desenhar qualquer peça, além da pesquisa imagética sobre o tema escolhido, Evangelista diz que faz uma playlist com músicas que acredita que se encaixam naquele universo. “Depois, passo um período em imersão ouvindo essas músicas sempre, até que tudo esteja pronto. No meio desse processo sempre acabo descobrindo novos artistas e também revisitando o meu passado”, explica.
Falando em música, foi nesta cena que seu trabalho começou a se destacar. A primeira parceria musical acontece com Urias, a musa da marca, na capa da publicação independente sulafricana BUBBLEGUMCLUB. Na sequência, Evangelista fez seu primeiro clipe, “Chega” de Duda Beat, quando vestiu Jaloo e Mateus Carrilho com looks de seu primeiro desfile. Depois disso vieram outros stylings com grandes nomes da música brasileira contemporânea, como Gaby Amarantos, Ludmilla, Mc Tha, entre outras.
Ele também declara que acredita genuinamente na importância da colaboração, das trocas. Ele carrega uma lista de participações de artistas de outras áreas em seu processo criativo. Já teve esculturas de Gabriella Garcia em set design, além de esculturas e botas pintadas por João GG, ambos artistas plásticos.


“A minha marca não é apenas sobre roupas.
Ela representa valores, símbolos e histórias. Meus princípios se refletem nela...
Por isso carrega meu nome.”


A coleção título desta matéria foi apresentada em novembro na última edição da Casa de Criadores, e trouxe à passarela reflexões acerca do intercâmbio cultural no nosso país, bem como a abundância de referências latino americanas, e também discussões sobre xenofobia e a intolerância. Um debate pertinente dado o momento político do país. Rodrigo Evangelista Rosa batizou esta entrega com o seu sobrenome, originário de sua família por parte de pai, que veio de El Salvador.
Evangelista explica que procurou discutir a xenofobia como ponto central no debate da coleção. Partindo do conflito sociopolítico entre EUA e México, o arquiteto Ronald Rael instalou uma gangorra na fronteira entre estes dois países - unindo as pessoas separadas essencialmente pela barreira física e também, é claro, pelas ideologias do governo americano. Esta instalação chamou a atenção do estilista.
Outro acontecimento que despertou seu pensamento acerca do tema neste momento foram os ataques fascistas ao restaurante Al Janiah - restaurante palestino construído por refugiados da guerra da Síria que foi alvo de bombas e gás de pimenta em São Paulo, no bairro do Bixiga. Esta reflexão o fez unir seu sobrenome, Rosa, ao título da coleção. “Essas políticas exclusivas que reforçam a intolerância de Trump e Bolsonaro mexem muito comigo. Se meu pai não tivesse sido acolhido na época em que veio estudar no Brasil - para fugir da guerra em seu país - eu não estaria aqui”, conta.
Tudo isso ganhou forma com cores vibrantes, volumes hiperbólicos e texturas lúdicas advindas da percepção do artista sobre a figura da flor que dá nome à coleção. Rodrigo entende seu apreço por aspectos teatrais, dramáticos e poéticos como uma manifestação de seu trabalho.
Ele também ressalta seu apreço pelo conceito de performatividade e da importância dos múltiplos formatos de desfile. “Não acredito em unificação de formato, em nada, muito menos na moda. Essa diversidade nas apresentações possibilitam que eu explore melhor valores importantes para mim como empoderamento, liberdade e resistência.”, diz.
Muita coisa mudou na vida do artista em tão pouco tempo. Ele conta que “seguia a Fort e a Casa de Criadores desde que morava em Campina Grande, e via tudo isso como sendo algo tão distante. É incrível estar fazendo parte disso agora. Sou muito grato por tudo que tem me acontecido”.
Somos interrompidos por um stylist que vem buscar algumas peças. Voltamos então ao assunto de moda, mais especificamente como funcionam as estruturas do exibir a moda hoje, bem como a importância da internet e das redes sociais.
Rodrigo exalta seu entendimento a respeito da importância de marcas e estilistas se posicionarem online. “A minha marca não é apenas sobre roupas. Ela representa valores, símbolos e histórias. Meus princípios se refletem nela... Por isso carrega meu nome.” Ele diz que acredita em um formato slow fashion. “A maior parte dos meus produtos são sob demanda, respeitando os processos de forma sustentável, prezando pela valorização de matéria prima nacional,e possibilitando pagamento adequado de todas as pessoas que participam da produção”, conta. Além disso, foi através do Instagram que conseguiu notoriedade no meio da moda e é por lá que realiza suas vendas.
Sobre os novos futuros possíveis, Rodrigo acredita que não será mais uma questão de inovar apenas por inovar. “Não será o bastante. Tecnologia apenas pelo consumo em si. É preciso propósito na arte. É preciso explorar o desenvolvimento de peças a partir de novos materiais, pensando também nos impactos tanto ambiental como social. O mercado da moda está em um momento de inflexão. Os artistas precisam de adequar a novos formatos, se reinventar, caso contrário não haverá local no mundo pós transformação”, diz.


Conheça mais sobre o trabalho do Rodrigo Evangelista aqui