Cortes e mais cortes...

20 de março de 2020


por Bruno Mendonça
Vídeo @celibatario 


Jason Sena, este é o artista por trás do perfil intitulado @celibatario. Conheci seu trabalho através do Instagram e fiquei extremamente impactado. Sua produção até o momento tem circulado apenas pelas redes sociais. Forte e cheia de camadas, é melhor do que muitos trabalhos do circuito de arte contemporânea.



   



Entrei em contato com o artista pelo DM e iniciamos uma interlocução. Entre conversas por Skype ou pelo próprio Instagram, fui conhecendo um pouco mais de sua trajetória. A partir daí surgiu a ideia de publicar seus vídeos na nova plataforma online da Fort Magazine.

Jason, 25 anos, é natural de Recife, Pernambuco. Filho de mãe solteira, Jason foi criado na periferia da cidade. Sua mãe casou-se posteriormente com outro homem e segundo ele foi aí que as coisas começaram a ficar ainda mais difíceis. Com 15 anos de idade, Jason estava vivendo tudo ao mesmo tempo, desde o processo solitário de entendimento da sua sexu- 



alidade como homem gay, até a relação tensa com o padrasto machista e homofóbico, assim como o mergulho que a família estava dando na religião evangélica. O nome “Celibatário” inclusive vem dessa fase turbulenta.

Posteriormente, Jason acaba indo estudar Ciências Biológicas na UFPE. Neste momento, ele passa a ter mais autonomia e a relação com a família melhora um pouco. É nesta fase que ele começa a produzir seus primeiros vídeos e postar na rede. O artista conta que uma série de fatos desencadearam esse processo de registrar a realidade de forma non stop. Sempre tendo o celular como equipamento, ele filma diariamente desde então. Quase que concomitante já inicia a edição dos diversos fragmentos que captura, que necessariamente não pertencem a mesma temporalidade, nem ao mesmo contexto. Jason conta que este tipo de linguagem surgiu quando assistiu o filme “71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso” do diretor austríaco Michael Haneke. A partir daí passou a usar de maneira consciente este tipo de montagem e começou a pesquisar também outras referências artísticas.

Voltando um pouco a fita, o questiono em determinado ponto da conversa sobre sua incursão no curso de Ciências Biológicas. Me interesso por essa informação, pois, a figura do animal é bastante recorrente em seus vídeos como uma espécie de metáfora. Jason concorda que se utiliza disso como uma alegoria ou analogia em suas narrativas. Para ele, isso está muito ligado com uma ideia de “mondo cane” ou mundo cão, ou seja, esse estado mais vil da humanidade. Nesse sentido, o artista se interessa justamente por cenas de animais mortos ou em situações bizarras, pois suscitam uma noção de abjeto. Para ele essa potência abjetual também pode ser pensada de uma forma kafkiana.






                



Ele acredita que sempre teve esse olhar disruptivo em relação à natureza, pois, para ele, a natureza tem algo de sublime mas também de assustador. Durante a conversa
ele também reflete que talvez esse olhar tenha sim se desenvolvido durante a sua passagem pelo curso de Biologia.


Essa visão kafkiana se relaciona com esse viés conceitual de “mundo cão”, e chama sua atenção enquanto possibilidade de comentário acerca das problemáticas do capitalismo. Assim como nas representações animais, Jason tem interesse por um estado insólito, muito frequente em seus vídeos. Dentro dessa lógica ele cita como exemplo um fragmento de um de seus trabalhos. Quando trabalhava em um supermercado registrou algumas vezes o funcionamento de uma máquina de prensar papelão. Ele comenta com entusiasmo que a forma como essa máquina esmaga o papel era de uma beleza e violência tão grande que era muito similar à forma como o sistema capitalista nos esmaga. Para o artista, esse estado insólito tem uma relação
também com um espírito de melancolia e deboche. Jason coloca que talvez isso seja o mais bonito no que poderíamos entender como “Brasil Profundo”.

Esse sistema esmagador é o mesmo que sempre criou desafios e potências. Ao mesmo tempo que esse sistema é o disparador da poética do artista é também o que muitas vezes o faz duvidar de si mesmo enquanto criador. Se antes era um supermercado, hoje Jason mora em Londrina e trabalha na cozinha de uma grande rede de restaurantes. O fato de não conseguir se dedicar integralmente à sua prática artística ou minimamente se inserir na área do audiovisual para se manter pelo menos próximo de seu processo de criação faz surgir diversos questionamentos.

Refletindo sobre esse lugar estranho que o sistema sócio-político econômico nos coloca, de criação e dúvida, Jason fala algo interessante e que tem a ver com sua nova atividade como cozinheiro - “são cortes e mais cortes”.
Acho que a resposta está aí!