RAFAELLA BRAGA


Imigrar é uma batalha que poucas entendem da complexidade.
30 de junho de 2020

︎


Fotos e entrevista Bernarndo Martins

Ao desembarcar em Berlin minha ansiedade em conhecer vivências centralizadas em uma perspectiva europeia cegou e removeu grande parte da minha sensibilidade em perceber o valor e urgência das narrativas dissidentes.

Entretanto,  tempo e maturidade, agentes transformadores, permitiram desenvolvimento quanto às minhas concepções do que deve ser discutido e quais as vozes a serem ouvidas.
Assim, nesta jornada de redescoberta de identidade e reconstrução da minha rede afetiva, converso com Rafaella Braga, 21. Artista, goiana e residente de Berlin há 2 anos, Rafaella discute crudivorismo, mercado e imigração no seu fazer artístico intimista e emocional.


Bernard Martins: Gostaria de começar pelo básico. Quando e como tu começaste a pintar?

Rafaella Braga: Sempre tive contato com a pintura desde criança mas só me vi como pintora quando me envolvi com o grafite aos 14 anos e comecei a trazer o que eu pintava nos muros pras telas.


BM: E dentro dessa transição, o que a tua pintura fala sobre ti?

RB: Talvez só elas possam realmente te responder. Enquanto criadora eu enxergo meu trabalho como um diário de múltiplas interpretações e o que percebo é que elas trazem pra luz vários sonhos, segredos e traumas atrelados á uma inocência substancial.


BM: É incrível como a tua produção é carregada de subjetividades. Qual a influência que o crudivorismo tem no teu criar e desenvolver?

RB: Foi através de um jejum que voltei a pintar depois de um ano e desde então nunca mais parei. A partir dai minha relação com a alimentação ganhou um novo significado, onde adotei o crudivorismo e comecei a entender melhor a forma como comida e DNA conversam entre si, além de me tornar mais consciente da relação entre colonização e aquilo que consumimos.

Tudo isso me levou a resgatar a intuição e auto confiança, que desempenham hoje um grande papel no meu processo de criação.

BM: Em relação a esta auto confiança, já conversamos, anteriormente, sobre o papel limitante que a Universidade teve na tua trajetória. Como foi o teu processo de recuperação da criatividade?

RB: A academia fazia com que eu tentasse me encaixar em certos padrões dentro da arte e a procurar uma validação contínua da norma. Ao sair daquele espaço comecei a entender melhor a minha individualidade enquanto artista e a enxergar um mundo de ideias mais plurais onde minha linguagem se fazia possível.


BM: Mudar de espaço é um desafio enorme que exige muita coragem. Como foi a tua trajetória até Berlin?

RB: Cresci com essa ideia colonizadora de que tudo que vem de fora é melhor, e ao me entender como artista entendi também o impacto que essa experiência internacional possui no mercado brasileiro. Porém as histórias daqueles que tiveram esse acesso eram sempre de pessoas com um outro poder aquisitivo. Então tornar essa vontade possível exigiu um ano inteiro de muita organização e trabalho. Junto a isso, havia acabado de abandonar a faculdade e me sentia ainda mais em escanteio dentro de uma estrutura de moldes acadêmicos, então pensei que talvez fosse mesmo o momento certo de sair do Brasil. Escolhi o continente europeu por uma ideia um pouco romantizada mas também pela curiosidade de entender melhor a operação desse lugar que tanto nos roubou.







BM: E hoje, estabelecida e estável aqui, qual o papel a imigração possui na tua forma de fazer arte e monetizar o teu trabalho?

RB: Entendo que meu trabalho, querendo ou não, carrega consigo a ancestralidade e herança que formam minha identidade e trazem também um ponto de vista especifico ligado ao lugar onde fui criada. Então estar trilhando um caminho como artista fora do Brasil é uma oportunidade de mesclar esta visão com perspectivas culturais diversas. Estar aqui também possibilitou conexões e ampliaram meu entendimento acerca das redes sociais como ferramenta de trabalho, o que hoje possibilita que de certa forma eu me mantenha  presente no meu país, e que meus trabalhos se tornem tão imigrantes quanto eu, ocupando paredes em diferentes continentes. Pra além disso também sinto o peso que esta imigração carrega, principalmente quando penso na minha familia, onde a maioria não pôde nem se quer escolher a profissão quem dirá mudar de país.


BM: E, mesmo que existam essas novas conexões, o sistema da arte é, em diversos aspectos, engessado. Qual a tua perspectiva em relação às formalidades, e às estruturas que hoje são dadas?

RB: É um sistema de falsas premissas onde insistem em perpetuar experiencias que refletem em maioria a branquitude, então ao  tentar buscar uma validação do seu trabalho, que no caso é fora daquilo que eles vivenciam e entendem, muitos tem que provar duas, três vezes mais do porque aquilo é digno de atenção. Por isso vejo que, tão importante quanto a inclusão de artistas fora desta norma, é a representatividade dos mesmos nos diferentes cargos que compõem a estrutura, pra que trabalhemos com profissionais que entendem nossas narrativas pois vivenciam as mesmas. A partir deste caminho acredito muito que nessa geração podemos construir dentro do meio artístico coleções de valor cultural extremamente potentes rompendo com as expectativas tradicionais.







Conheça mais sobre o trabalho da Rafaella Braga aqui