
REIF.LIFE
5 de agosto de 2020
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Entrevista Miranda Luz
Fotografia Cassia Tabatini
Fotografia Stills Joe Santos
Designers REIF NON Telfar, Marcelo Alcaide, Yolanda Zobel, Vava DuduT/estemony - Filip Berg, Fabio Kawallys For Fort, Yves Tumor, Rebecca Sharp & Alessandro Bava [Ecocore], Estileras, Hydra, Vivão Project e Assume Vivid Astro Focus

Marcelo é o
criador e desenvolvedor da REIF, projeto que se apresenta num formato de
display digital para artistas multimídia, que se envolve em diversas causas
sociais. A plataforma ganha novas iniciativas com o impacto do Covid-19
interagindo com os três pilares que estruturam o projeto: ACT - uma seção da plataforma dedicada ao intercâmbio
cultural e como mostra de uma série de ações de ajuda executadas pela REIF,
incluindo recursos de artistas e colaboradores. LIVE - um arquivo de gravações
ao vivo, ações e concertos ao vivo. gravações ao vivo documentadas de partes e
acontecimentos da REIF, juntamente com SOUND - contribuições individuais como
paisagens sonoras, listas de reprodução, mixagens de participantes e convidados
do REIF. A plataforma também apresenta seu rótulo homônimo de lançamento aberto,
REIF.SOUND - catálogo de todo o material colaborativo e comissionado
das partes
e atos do REIF.





MIRANDA LUZ: Bom, a gente logo entende que a REIF trata-se de um projeto super amplo, super diverso, uma iniciativa muito jovem e interativa. Sendo assim, me conta um pouco mais do surgimento desse projeto multidisciplinar, que acolhe tantos seguimentos.
MARCELO ALCAIDE: O projeto nasce em 2017, em Berlim, pela necessidade de uma noite mais intimista, como há muito tempo eu gostaria. Contei com alguns colaboradores, como a Isabel Lewis - com quem trabalho assiduamente, Antonio Onio, Ana Tabatatze, Yorgos Spantouzis. Todos nós artistas, mas havia realmente essa necessidade que em criar uma noite mais íntima, uma nova experiência. Em Berlim as coisas tinham ficado muito associadas a “tem que ser uma festa techno, rotulada”, “tem que ser para nao sei quantas mil pessoas/ one thousand people”, rs. Então foi isso, encontramos o Melancholie, clube que recebeu nossa primeiras edições, e daí começamos a praticar e a produzir essas noites, que tipo, eram meio freestyle, sabe? E funcionou super bem. Tendo uma abordagem mais democrática, com a música como base, foi rolando uma congregação de pessoas e elas começaram a apreciar essa abordagem mais intimista da oferta ao lado de uma experiência musical diferenciada. Eu me lembro de uma das primeiras noites, os artistas convidados ficaram meio perdidos, porque decidimos não ter o típico line-up, então performance de um misturou-se com o dj set do outro, à certa altura os três tocavam espontaneamente juntos e outro performava, tudo nessa base de improviso. Outra noite, convidei 8 artistas para tocar, sem termos line-up, nessa rota de improviso mesmo, e foi aí que mais e mais pessoas ficaram interessadas. E foi um processo crescente, com ações em São Paulo, em 2018, para Casa1, e tomando várias ramificações, como você já percebeu. Sempre fomentando uma interligação entre os artistas e os goers, que ocorreu super bem também. E é exatamente isso, esse desdobramento, essa colaboração é a base de tudo.




ML: E como que você imagina e idealiza essa plataforma/site pronto? Numa reunião que tivemos, você comentou que estava produzindo e programando esse site sozinho. Sendo um profissional da moda, como foi esta experiência?
MA: Vejo exatamente como uma plataforma de troca. O mais democrática possível. Várias mídias. Mas não tem sido um processo fácil, porque é algo que eu pretendia fazer há algum tempo, mas devido aos projetos que tenho feito agora, decidi que esse era o momento ideal para fomentar mais essa troca cultural, até porque estou aqui já há algum tempo, em São Paulo. E tem a ver com o interesse das pessoas em se dispor a essa troca. Sobre o projeto, sei lá, rs. Eu acho que, como muitos, passamos por um momento de euforia mas de desespero também, sabe? É sobre estar construindo uma coisa, mas estar sempre com determinadas dúvidas. Mas tem sido bom, eu acho. E também tem sido uma boa resposta ter mais pessoas querendo colaborar, em diversas partes do mundo.
ML: Que mara! Então a gente pode colocar como prospecção de futuro uma globalização do Projeto?
MA: Bom, ele já é meio global. Tem a raiz em Berlim, mas tem se manifestado entre os mais variados lugares - aqui em São Paulo, Paris, por exemplo.
ML: Em São Paulo, como você vê a relação e a materialização da REIF com a cidade e suas comunidades de arte e cultura?
MA: Então, o projeto ainda não foi lançado oficialmente. Então tá tudo meio off record. Em relação ao que aconteceu em 2018, a recepção foi ótima, quando nós fizemos a REIF pra Casa1, e daí a colaboração com Elí Sudbrack AVAF e a Viva Projects, fizemos umas camisetas. A reação foi realmente maravilhosa. Desde então, temos feito esses desdobramentos culturais e essas ocasiões, acompanhando as festas - que agora óbvio estão on hold. A gente se juntou no ano passado com o Archivio Conz e fizemos a reedição da paradox t-shirt do George Brecht e fizemos um takeover da Venice Biennial com um grupo de artistas participantes desde a Michelle Lamy, Douglas Gordon… e agora estamos em São Paulo. Estamos trabalhando nessa frentes diferentes - Iremos lançar o projecto de reaproveitamento de roupas de doação - REIF ACT NON com a Cartel 011 - convidando diversas personalidades para darem a sua contribuição e daí gerar um pouco de troca e de receita para mulheres que o negócio delas tem sido severamente afetado - costureiras, bordadeiras, etc. Mas tambem tentado gerar algum apoio para os projectos Nos Existimos - Rio Negro, , Casa 1, Casa Branca de Luz e Projeto Existimos.
Apoiámos com campanhas e no local durante meses de quarentena -o projeto do Por Nossa Conta, Cozinha de Combate, com a distribuição de comida que a gente começou a fazer lá com o centro espírita Casa Branca de Luz há cerca de três meses perto do largo do Arouche. Executámos também um self boost booklet que a gente distribuiu com receitas básicas do preparo de refeições simples para a semana feitas pela chef Leonor Manita, juntamente com alguns exercícios de respiração que a Casa Branca de Luz forneceu para distribuir entre os moradores de rua, prioritariamente, mas também a quem tiver outras necessidades.

ML: Realmente... São muitas vertentes de trabalho! Eu acho muito fantástico o desenvolvimento do projeto, mas me surgiu a dúvida de quando a REIF encontra essas questões sociais e como se dá essa relação?
MA: Então, basicamente essa vertente social do projeto tem muito a ver e tem uma ligação particular com São Paulo, porque quando eu vim pra cá em 2018, eu tinha planejado fazer uma REIF aqui, com alguns parceiros e colaboradores, mas foi bem na época que o bozo foi eleito, e pra mim não fazia sentido. Eu não conseguia fazer uma festa se não fosse realmente com o âmbito de comemorar. Não dá pra festejar porque nossos irmãos e irmãs, todo mundo, estava passando por uma fase terrível - ainda pior agora. E eu fiquei muito doente, mesmo não sendo brasileiro, mas tem uma conexão e também tem meus amigos. E foi isso, fiz a pesquisa da Casa1 e aí a ideia seria associar com eles e tentar criar uma conversa à volta a fim de escalar por outros segmentos que não abordavam ou que não aconteciam. Então surgiu essa derivação mais social. Ultimamente, o que se passou foi que eu vim pra cá trabalhar com a Cassia pra gente fazer as duas exposições e continuar trabalhando na cob.ertura e quando acabou a exposição na Casa Triângulo acabou, eu decidi ficar. Ao mesmo tempo, o problema começou a apertar muito e nós, como fazemos parte de um centro espírita no centro, que tinha acabado de mudar pra uma casa grande lá, nós juntamos com eles e começamos a cozinhar e a servir comida para os moradores de rua, obviamente que isso era pra ajudar a atenuar (chamar atenção para) diversas problemáticas como violência, etc. e, a partir disso, a demanda foi maior (aumentando), foi crescendo de 30 para 250, vai baixando consistivamente, e estamos nisso há quase 3 meses. Nos associamos com o Cozinha de Combate e o Por Nossa Conta, que já fazem um trabalho social incrível também, e agora trabalhamos mais na distribuição, outras vezes cozinhamos e a ideia da REIF realmente em meu nome e lançarmos campanhas. Porque o interesse da comunidade REIF pelo que está acontecendo aqui é grande, então, eu quero através dessas campanhas sociais que estamos lançando aqui, como o .ACT SP02 continuar com fundos para cozinharmos. Ou com o ACT NON SP03 com upcycling das roupas, que realmente são campanhas para criar mais um awareness e uma conversa, e tentar cativar alguns fundos para continuar com os trabalhos de fato, tentarmos continuar com isso para além depois da pandemia - para não ser um caso de tapar só o buraco mas sim tentar dar uma continuidade.
ML: E ainda falando sobre a pluralidade dos projetos da REIF, eu quero saber desse projeto mais novo, o .ACT SP3, que é uma coleção partindo de upcycling, e a relação que o projeto tem neste momento pandêmico.
MA: É um projeto mais conceitual, porque como eu trabalho com moda eu comecei a ver essa doações que paravam lá no centro e que muitas não acabavam em nada, e tentar fazer basicamente nada de novo, upcycling. Mas por que? Porque, eu comecei a perceber que muitas senhora com quem eu trabalho, majoritariamente mulheres - na verdade só mulheres - elas estavam arriscando muito suas vidas para ir trabalhar, sem retorno, com pouco trabalho etc. Então eu decidi aproveitar essas roupas e convidamos designers, artistas, indivíduos nacionais e internacionais para remotamente desenhar e fazer modificações na roupas, e nos aplicarmos aqui com elas. As senhoras que fazem os bordados, que cortam e fazem o cós e tem a que faz os silks. E daí tentamos fazer uma linha de frente com a intenção de que realmente elas ganhem grana com isso. Mas, acima de tudo, queremos motivá-las e fomentar essa troca cultura e que isso sirva de exemplos para os demais, que é o meu objetivo com a REIF.

ML: E também quero saber um pouco da sua opinião sobre os conceitos de sustentabilidade, relacionando o ACT SP3 e essa crise global.
MA: Eu acho que sustentabilidade parte de uma coisa bem básica. Eu acho que fala-se muito disso hoje em dia mas é realmente sobre se trabalhar com o que tem. E daí com um despertar derivado da pandemia e da ausência de apoio ornamental. E daí surgiu! Então é basicamente é sobre esse reaproveitamento e o incentivo dessas trocas, que eu acho super importante e sustentável. A ideia é que os preços de revenda sejam também valores acessíveis para quem quiser comprar não seja só uma elite. Eu tenho pouca grana mas mesmo assim quero comprar um peça para apoiar uma determinada causa, porque não? Porque?
ML: Pra deixar registrado a quem tiver interesse em se juntar ao projeto, como funciona a entrada de novos artistas colaboradores na REIF?
MA: Considero os colaboradores da REIF como uma família bem aberta. É um projeto bem amplo, para que quem quiser contribuir, possa contribuir de forma livre. O projeto se atenta para que seja uma espécie de bridge, tipo, criar essas pontes e parcerias buscando olhares de realidades que não se cruzam muito, através dessa projetos culturais e social driven. Visando o máximo de abrangência. Call us! ;)
ML: E pra finalizar, quero saber das prospecções para o after do fim do mundo - fim das medidas de isolamento social, lol.
MA: Agora pra mim, pós corona tem mais essa necessidade em fomentar essa troca cultural e realmente o desdobramento do que é um conceito de celebração hoje em dia. Porque durante esse período dream closed, eu tenho visto interações talvez bem rasas?! Acredito que tenha a ver com canalizamos mais nossa energia no que realmente vale, nessas trocas e apoios entre nós, seja para onde vamos ou de onde viemos. MAS, no entanto, A REIF NÃO DEIXA DE SER UMA CELEBRAÇÃO!












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