Teta Veleta


28 de abril de 2020

Voyeurismo, corpos e cumplicidade.

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Texto Guilherme Altmayer
Fotografia Alair Gomes


Desejo, voyeurismo, la petit mort. Não encontro outras palavras para começar a falar do trabalho de Alair Gomes. Natural de Valença (nasceu lá em 1921), e apaixonado carioca (morreu na capital fluminense, em 1992), desejou e gozou infinitas vezes, por meio dos cliques de sua câmera. E com variação intensa e deliciosa de posição e de parceiro. Engenheiro, professor, crítico de arte e fotógrafo, Alair dedicou os últimos vinte e seis anos de sua vida a exaltar e esculpir as formas do corpo masculino por meio da fotografia. Seu pano de fundo era a zona sul do Rio de Janeiro dos anos 1960 e 1970. De seu apartamento na rua Vinícius de Moraes, em Ipanema, conseguia ver o asfalto, o calçadão, os coqueiros, a areia, o mar, e corpos. Muitos corpos. E masculinos. Os quais retratou à exaustão por aquele ângulo estreito e obtuso.

Na obra de Alair podemos encontrar verdadeiro diário do corpo masculino, ainda que não qualquer corpo. Era um apreciador da beleza escultural clássica, reproduções naturais e cariocas de obras greco-romanas, com toda sua representação de força e vitalidade.Os homens de Alair eram todos jovens, atléticos, exalavam saúde e preocupação narcísica com a própria aparência. Corpos sarados, peludos, distante do fisiculturismo das academias de hoje, mas já em total sintonia com o culto ao corpo. Vestindo shorts ou sungas cavadas, eram construídos, naturalmente, pelos esportes de praia e pelo surfe (esporte então recente nas praias brasileiras e que ganhava cada vez mais adeptos, junto aos primeiros aparelhos de ginástica ao ar livre, como barras fixas e paralelas e as pranchas abdominais).

Ao longo destes vinte e seis anos, Alair colecionou mais de 170 mil negativos. Organizava seu trabalho em séries que mostravam semelhanças de corpos e movimentos, posturas, sombras e ornamentos.
Através da pequena fresta de seu apartamento, e em eventuais visitas a praia, era, seduzido a distância por estes homens e se aproximava deles por meio de suas lentes fotográficas. Registrava momentos introspectivos de cuidados próprios, movimentos e interações sociais, quase sempre com base no corpo, numa complicidade algo erotizada.

Discreto e recluso, Alais sempre buscou o anonimato e tratava como tal seus retratados. Junto com eles, fios elétricos, faixas de pedestre, meio fio, aparelhos de ginástica, e sombras, ajudavam na camuflagem de pessoalidade. Escolhia horários de pico de sol para seus registros, quando o contraste oferecido pelo excesso de luz é mais marcante e as sombras mais definidas oferecem um espetáculo a parte, esculpindo suas próprias formas.

Sua relação de adoração a estes corpos me faz lembrar da expressão “teta veleta”, criada pelo cineasta, crítico e escritor Pier Paolo Pasolini. Segundo ele, traduz um sentimento incontrolável e indescritível, que, a partir de um desejo velado e, por vezes, inatingível, mostra força similar àquele de estado de perda e pânico. A evocação de uma forma perdida. “Teta veleta” é, então, uma das máquinas propulsoras da produção de Alair Gomes e Pasolini. Ambos foram assassinados por manifestações violentas do desejo, ainda que por razões distintas que não vem ao caso explorar aqui.

Ao nos oferecer um passeio pela orla de Ipanema dos anos 1960 e 1970, Alair nos seduz com o cheiro da maresia, com o calor dos raios do sol, as formas e o suor daqueles corpos que pouco sabiam sobre protetor solar. Nestes momentos hedonistas de puro relaxamento, em que a única preocupação possível é o cuidado com o próprio corpo e com corpo do amigo, invadimos sua privacidade com deleite. Ao apreciar suas fotografias, nosso corpo é também erotizado pela presença deste outro, com o qual também estabelecemos relação de voyeurs e nos somos feitos, assim, cúmplices de Alair.








                   
              






























                                                                                               


       













                                         






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